‘Ensino híbrido é o único jeito de transformar a educação’
O ensino híbrido já se consolidou como uma das tendências mais importantes para a educação do século 21. Um dos especialistas internacionais que tem ajudado na disseminação dessas práticas e na análise de como o fenômeno tem se manifestado em diferentes redes de ensino é Michael Horn, que em 2008 escreveu com seu professor em Harvard, o renomado Clayton Christensen, o livro Disrupting Class: How Disruptive Innovation Will Change the Way the World Learns (Classe disruptiva: como a inovação disruptiva vai mudar a forma como o mundo aprende, em livre tradução), no qual abordava o nascimento de uma nova forma de fazer educação. Horn tornou-se cofundador do Innosight Institute, que em 2013 passou a se chamar Clayton Christensen Institute.
Em entrevista ao portal Porvir, o norte-americano, que tinha experiência na área pública e na de negócios antes de enveredar pela educação, diz considerar que o ensino híbrido é a única forma de se promover a transformação em redes de ensino. Confira, a seguir, os principais trechos da entrevista.
O que você chama de inovação disruptiva em educação?
A palavra “disruptivo” tem sido tão usada que seu significado real tem se perdido. A disrupção é algo muito específico. Significa que uma inovação transformou algo que era caro, complicado, centralizado e inacessível, que só servia a um número limitado de pessoas, em algo com um preço muito mais acessível, conveniente e simples, que pode servir a muito mais gente. As inovações disruptivas em educação são sempre muito primitivas em seu início. Elas não começam como rupturas muito fortes. Elas vão melhorando e se aprofundando com o passar dos anos.
Existem muitas diferenças entre o que se chamava de disruptivo em 2007, no início do Innosight Institute, e agora?
Não. A disrupção sempre terá a ver com o ensino híbrido. Na educação básica, pelo menos. Na superior é diferente. No livro Disrupting Class ainda não usávamos o termo ensino híbrido, mas três ou quatro outros nomes. Agora o vocabulário amadureceu e é mais fácil falar de ensino híbrido.
Por que você acredita tanto em blended leaning?
Nosso sistema educacional, não apenas nos EUA, não foi construído para otimizar o aprendizado para cada aluno. Foi construído como uma indústria para atender a um grande número de alunos. Funcionou bem numa economia industrial, mas [não] na economia do conhecimento, quando se questiona por que o modelo não serve a muitos alunos. O sistema [educacional] está fazendo exatamente o que ele foi programado para fazer. O que temos visto consistentemente é que a inovação disruptiva é o único jeito confiável de se transformar o sistema. A coisa mais legal do ensino híbrido é que você pode personalizar o ensino para diferentes necessidades dos alunos.
Que bons exemplos práticos você já tem visto acontecer, especialmente em grandes redes?
Temos visto distritos do país inteiro se engajarem mais profundamente com o ensino híbrido. A cidade de Nova York, Houston, Miami Dade… São grandes distritos que estão fazendo dessa metodologia o centro de sua estratégia de transformação. Em uma escala menor, temos outros, como o Quakertown Public Schools in Pennsylvania. Temos também a Florida Virtual School, que é um distrito de escolas públicas que está servindo centenas de milhares de estudantes não só na Flórida, mas no mundo. Existem alguns sinais de esperança.
Já dá para ver como o ensino híbrido tem mudado a vida das pessoas individualmente?
Conheci algumas boas histórias. Estava em uma escola de ensino médio que adota o ensino híbrido em Utah. Eles tinham lá uma jovem que era totalmente desestimulada. Ela me disse: “Pela primeira vez, o professor está me ensinando individualmente, não para a turma inteira. De repente, estou aprendendo o que eu preciso. Percebi que sou alguém que importa e que pode ter sucesso”. E agora ela, que não tinha muita esperança na vida, falava pela primeira vez em ir para a universidade. Outro grupo muito beneficiado com o ensino híbrido é o de alunos com necessidades especiais. Cada aluno tem um plano individual de aprendizagem, então eles não se sentem diferentes, eles se sentem mais pertencentes ao grupo.
É uma questão de aumentar a autoestima e a noção de identidade, certo?
[Disrupção é] uma inovação transformou algo que era caro, complicado, centralizado e inacessível, que só servia a um número limitado de pessoas, em algo com um preço muito mais acessível, conveniente e simples, que pode servir a muito mais gente.
Identidade é grande parte disso. Faz diferença dizer a todos que eles importam, que vamos buscá-los onde estiverem e que vamos ajudá-los a serem bem sucedidos. Tenho uma história da Summit. A Diane [Tavenner] fala sobre um aluno que tinham que ido mal em toda a sua vida acadêmica. No modelo que adotaram na escola, os alunos precisam dominar os conteúdos para avançar [os alunos têm acesso primeiro ao conteúdo por um programa de computador]. No primeiro dia de aula, esse aluno ficou apenas sentado, não fez nada [no programa]. No segundo dia, nada. No terceiro, ele levantou a mão e disse: “professora, acho que não estou evoluindo”. Ela perguntou por quê. “Na escola anterior, eu ia para a aula e o professor falava as coisas. Eu não entendia o que ele dizia, mas todo dia era uma coisa nova. Então eu evoluía. Agora, nada está mudando e ainda estou parado no mesmo lugar”, ele disse. “É porque agora você tem que fazer alguma coisa”, respondeu a professora. Esse sentimento de que o aluno precisa dominar, ser persistente, que ele é o dono daquilo é o que acontece num ambiente de aprendizagem.
E isso tem a ver com as competências para o século 21?
No século 21, você tem que ser capaz de aprender a vida inteira, de encontrar materiais de diferentes fontes. Os empregos estão mudando tão rapidamente, é preciso aprender a aprender. O ensino híbrido bem-feito – e não são todos os modelos que fazem – diz: “você é o dono do seu próprio aprendizado”. O ensino híbrido abre espaço para trabalhos em equipe de forma como nunca antes havia sido possível, abre espaço para o pensamento crítico. As pessoas passam a dominar os assuntos a partir de aulas virtuais e aprofundam esse conhecimento com seus professores com perguntas importantes.
E o que garante que o ensino híbrido seja bem-feito? Com o que devemos nos preocupar?
Precisamos nos preocupar em dizer que o conhecimento ainda importa, mas só o conhecimento não é suficiente. Devemos nos preocupar em analisar, avaliar, ter o domínio do próprio aprendizado, trabalhar em equipe, conectar o conhecimento a problemas da vida real para que o aluno entenda por que ele é relevante. Isso quebra o argumento de que o conhecimento não importa e o que importa mesmo são as habilidades. As pessoas que defendem o conhecimento diriam: “não é possível desenvolver habilidade a menos que você tenha conhecimento”. A melhor coisa do ensino híbrido é que podemos ter os dois.
E se formos apontar questões de infraestrutura?
Você precisa ter banda larga, uma boa conexão com internet. Nos EUA, estamos falando hoje em 100 megabits por segundo. Até 2020, será 1 gigabite por segundo. Mas o que temos visto é que escolas inovadoras estão descobrindo como fazer o ensino híbrido acontecer com muito menos. Em termos de número de equipamentos, existe muita flexibilidade. Se você tem 30 crianças, você pode ter de 8 a 10 aparelhos. Você não precisa de um para cada. Isso é legal, mas não é necessário. Cada vez mais, com esses equipamentos ficando mais baratos, mais estudantes terão um eles mesmos. BYOD será parte disso.
Voltando ao assunto das habilidades para o século 21, como promover uma educação baseada em competências aliada ao ensino híbrido?
O ensino híbrido é a ferramenta que personaliza a educação, tanto nas “competências duras” [conhecimento] quanto nas transversais. Uma educação baseada em competência trabalha com a noção de que os estudantes só podem avançar quando eles realmente dominarem um conceito. Você não avança de acordo com a hora do dia, mas de acordo com o que você sabe. É muito difícil ter uma educação baseada em competências, a menos que você tenha ensino híbrido. Eles são primos, mas não são a mesma coisa. Você pode ter um ensino híbrido ruim e nada de desenvolvimento competências e você pode ter um ensino baseado em competências sem o ensino híbrido, mas é muito difícil de fazer em escala.
Isso muda a forma como os professores gerem sua sala de aula.
Sim, muito. Antes, os professores davam uma aula para a turma inteira. Agora, eles podem ter 30 alunos em 30 níveis diferentes. Sua tarefa é muito mais ser um designer do aprendizado de cada aluno e avaliar para ver se estão dominando o assunto. Eles são assessores do conhecimento, treinadores, designers do aprendizado.
Mas em algum momento do ano eles terão de ser nivelados…
Esse é o tipo de coisa que a educação baseada em competências começa a questionar. Visitei uma turma de quinto ano em que os alunos estavam fazendo problemas de trigonometria. O problema é que o atual sistema vai dizer que, no fim do ano, eles serão avaliados em conteúdos de quinto ano. No ano seguinte, eles vão para o sexto ano e pronto. Isso não faz sentido, estamos impedindo o desenvolvimento deles. No entanto, se uma criança chega ao quinto ano sabendo matérias apenas do segundo, ela pode conseguir dar um salto e chegar à quarta série. Esse crescimento de dois anos é impressionante. O que queremos desse tipo de educação é um ritmo mínimo, no qual nenhum aluno avança menos do que um ano em um ano, mas não podemos restringir o lado oposto.
Isso também implica numa mudança das provas oficiais do governo, certo? No Brasil, temos a Prova Brasil, que acontece de dois em dois anos.
Esse é um grande desafio, não apenas no Brasil, mas em países de todo o mundo. Podemos criar exames e sistemas de prestação de contas que também são personalizados? Enquanto eu completo o estudo de um assunto adequadamente, será que posso fazer provas sob demanda para provar o que eu sei, um exame pequeno e pontual? Isso criaria um sistema muito mais confiável porque hoje no Brasil você só consegue me falar do desempenho das escolas do país com dados do ano anterior. Nesse sistema, você saberia todos os dias onde estão os estudantes.
Fonte: Porvir