Com raciocínio e sem cópia: veja como deve ser a lição de casa na era da internet
Em vez de memorização e cópia de palavras, um jogo de raciocínio para ser completado pelos estudantes com a ajuda dos pais. Em vez de pesquisar e copiar informações sobre um tema de história, o aluno grava um vídeo com a interpretação dele dos conceitos estudados e publica-o no YouTube.
As ideias acima são parte de uma nova forma de encarar as lições de casa, e algumas começam a ser aplicadas no Brasil.
Num momento em que a tecnologia muda o acesso à informação e novas habilidades são exigidas dos estudantes, educadores e especialistas têm repensado os formatos e objetivos das tarefas extraclasse.
“Quando a informação era muito restrita à sala de aula, a lição de casa era voltada apenas a exercícios de fixação e de prática do conteúdo”, diz Claudio Franco, diretor de novos negócios da Mindlab, empresa de tecnologias educacionais provedora de escolas públicas e privadas.
Hoje, ante a informação inesgotável da internet, “o dever de casa deve estar mais ligado ao aluno pesquisando e construindo conhecimento, para que a sala de aula seja um espaço de debate e síntese de conceitos”.
A empresa aplica, como tarefas de casa, jogos de raciocínio (online ou de tabuleiro) que reforcem conceitos estudados em classe. Também estimula a produção de vídeos por parte dos alunos, em que eles sintetizem o que aprenderam na aula.
Experiências
Em Natal (RN), por exemplo, escolas públicas têm adotado jogos – em sala de aula e em casa – como parte do aprendizado.
A Clickideia, provedora de conteúdo e metodologia pedagógica, também tem desenvolvido exercícios de casa que envolvam jogos virtuais e atividades lúdicas. A ideia é que as atividades tenham, ainda, a função de avaliar o aprendizado – forçando o aluno a refazer etapas que tenha errado e avisando ao professor o que foi acertado.
A escritora e jornalista Ana Kessler, mãe de Ana Beatriz, 9, aluna da rede privada em São Paulo, diz que, na prática, muitas das lições de sua filha ainda são parecidas com as de antigamente. “E o básico tem de ter mesmo, tabuada ainda é aprendida na memorização. Como as crianças de hoje são muito dispersas e fazem tudo ao mesmo tempo, tarefas que ajudem a fixar são importantes.”
Ao mesmo tempo, Ana vê Bia mais entusiasmada com tarefas extraclasse diferentes, que também são passadas pela escola: “A classe dela já faz apresentações em PowerPoint, algo que eu só fui fazer quando mais velha. Ou monta uma maquete de pulmão usando garrafas PET. São projetos mais interativos, interessantes e ligados ao dia a dia dela.”
Lição ou não?
Em diversos países, o dever de casa tem sido tema de debate nos últimos anos. Tarefas devem ser aplicadas todos os dias, sempre? Qual o volume adequado de lição?
Na China, a pressão excessiva sobre os estudantes levou o Ministério de Educação a ordenar a redução, no ano passado, da quantidade de atividades extraclasse impostas.
“Projetos como cortar e colar ou desenhar muitas vezes são ineficientes (para a assimilação de conteúdo), mesmo que os professores os tenham indicado com a melhor das intenções”, opina.
“Há formas mais eficazes de demonstrar o aprendizado: em vez de construir um modelo do Sistema Solar, estudantes podem representar os extremos de temperatura dos planetas, os períodos de rotação da Terra, a importância da inércia e gravidade ou criar um vídeo para mostrar seus conhecimentos de cada passo.”
Ana Kessler, mãe da Ana Beatriz, não se incomoda tanto com o fato de sua filha ter bastante lição para fazer – apesar de muitas atribuições, como comprar e imprimir materiais diversos – recaírem sobre os pais. “Para muitas crianças de cidades grandes, não estar fazendo lição de casa muitas vezes significa estar diante da TV. E aprender a fazer muitas tarefas faz parte da vida.”
Já Alfie Kohn, outro pesquisador do assunto nos EUA – e duro crítico da lição de casa em geral –, sugere, em artigo, uma participação mais ativa dos alunos na hora de decidir que tarefas devem ou não ser aplicadas.
“Use a lição como uma oportunidade de envolver os estudantes”, diz ele em artigo. “Uma discussão a respeito pode ser válida por si só. Se as opiniões forem distintas, a decisão sobre o que fazer – votar? Conversar até se chegar num consenso? Buscar um meio-termo? – desenvolverá habilidades sociais e crescimento intelectual.”
Participação dos pais
No Brasil, onde deficiências de educação em geral ainda são graves, pesquisadores, como o Instituto Ayrton Senna, veem a lição como um aliado importante para a fixação do conteúdo aprendido em aula e como um elo entre a escola e a família dos alunos.
“A lição serve para continuar o desenvolvimento do jovem, trabalhar conceitos e criar um vínculo com as famílias”, diz Sandra Garcia, diretora pedagógica da Mindlab.
Ao jogar com o filho um jogo pedagógico, “os pais verão como os filhos pensam, resolvem desafios, lidam com a perda”, opina Garcia – para quem esse momento qualifica o tempo passado entre pais e filhos.
Ricardo Falzetta, gerente de conteúdo do movimento Todos Pela Educação, elogia exercícios que envolvam os pais, mas ressalta que a participação destes na lição de casa dos filhos deve ser cuidadosa e limitada.
“A função principal da lição é diagnosticar a autonomia dos alunos em relação ao conteúdo”, diz. “A família tem que estar perto, perguntar se o filho fez a lição ou teve dúvidas, oferecer um ambiente com iluminação e silêncio, ajudar desde que não de forma recorrente, mas não dar a solução da tarefa.”
Fonte: BBC